O Brasil possui uma tradição de adotar o uso de novas mídias de forma efetiva, especialmente as relacionadas à internet. No caso dos podcasts não podia ser diferente, tanto que o primeiro podcast brasileiro surgiu já em 2004. Sendo mais preciso, foi em 21 de outubro de 2004 que Danilo Medeiros criou o podcast Digital Minds, que surgiu como parte do blog de mesmo nome. Esse não foi o primeiro blog a disponibilizar arquivos de áudio para download, mas o primeiro a fazê-lo através do podcasting.
Em 15 de novembro do mesmo ano, surgiu o Podcast do Gui Leite. Na primeira edição, foi explicada a intenção de se fazer o podcast para testar esse tipo de tecnologia.
Em dezembro de 2004 ainda surgiram os podcasts Perhappiness, de Rodrigo Stulzer, e Código Livre, de Ricardo Macari, em 3 e 13, respectivamente. No ano seguinte, vários outros programas estrearam, muitos inspirados nesses primeiros representantes brasileiros na mídia podcast.
Em 2005 foi organizada a primeira edição da Conferência Brasileira de Podcast (PodCon Brasil), primeiro evento brasileiro dedicado exclusivamente ao assunto, em 2 e 3 de dezembro em Curitiba, Paraná. O evento foi organizado por Ricardo Macari e patrocinado pela cervejaria Kaiser, 89 FM e pelo podcaster Eddie Silva e Posteriormente, passou a fazer parte do Fórum de Mídias Digitais e Sociais. Durante a PodCon 2005, foi organizada a ABPod – Associação Brasileira de Podcast, tendo sido indicado para presidente o podcaster Billy Umbella, mais conhecido como Maestro Billy, aceito por unanimidade.
Contudo, apesar do promissor crescimento da mídia podcast, ainda em 2005, ocorreu o chamado “podfade”: o fim de vários podcasts no Brasil e no mundo pelas mais diversas razões. O fenômeno continuou até o início de 2006, adiando projetos como o Prêmio Podcast e novas edições da PodCon.
Em meados de 2006, com poucos remanescentes da “primeira geração” de podcasters ainda publicando, vários novos podcasts surgiram e a mídia voltou a ter um crescimento, especialmente a partir de 2008, quando o Prêmio iBest, então um dos principais prêmios brasileiros voltados à internet, incluiu a categoria “podcast” para julgamento exclusivo por voto popular, tendo como vencedor o Nerdcast, seguido por Rapaduracast e Monacast, todos representantes dessa “nova geração” (os dois primeiros surgiram em 2006 e o terceiro, em 2008; sendo que apenas o Monacast não é mais produzido regularmente).
Também em 2008 foi realizada a primeira edição do Prêmio Podcast, organizada por Eddie Silva, sendo a pioneira na premiação exclusiva para podcasts, com várias categorias de votação popular e júri oficial, recebendo grande divulgação nos próprios podcasts. O prêmio teve apenas mais uma edição, no ano seguinte.
PODCASTS BRASILEIROS
Quando os primeiros podcasts brasileiros surgiram, eles se assemelhavam bastante aos norte-americanos, com programas com pouca ou nenhuma edição, lembrando programas ao vivo de rádio.
Depois do “podfade” de 2005, novos programas surgiram inspirados nos programas de rádio voltados para jovens, que aliavam humor, técnica e mixagem de som, produzindo pautas leves e descompromissadas, e trilha e efeitos sonoros que valorizavam a fala dos locutores.
Um dos primeiros a explorar esse formato de produção foi o Nerdcast, surgido em 2 de abril de 2006 com o nome de Nerd Connection, como conteúdo do blog Jovem Nerd, criado em 2002 por Alexandre Ottoni e Deive Pazos. O formato básico do Nerdcast, que serviu de base para grande parte dos podcasts brasileiros desde então, é uma conversa informal sobre temas gerais sob o ponto de vista do “nerd”, que pode envolver desde a série cinematográfica Star Wars até discussões sobre bolsa de valores, sempre utilizando bastante humor.
Com essa “filosofia de trabalho”, até mesmo os podcasts brasileiros que possuem temas específicos se valem do humor e da edição e mixagem de som para desenvolver os assuntos de cada programa. Na maioria há uma clara preocupação com a edição final, incluindo trilha sonora.
Sobre a profissionalização dos podcasts, exemplos como o Nerdcast, que se tornam empresas e, portanto, pagam impostos, são ainda raros nos Brasil. Grande parte dos podcasters são originalmente ouvintes que resolvem fazer seus próprios podcasts apenas pela diversão que a prática pode proporcionar. Por essa mesma razão, são poucos os podcasts que se mantêm regulares por mais de um ano, já que seus produtores os fazem em paralelo às suas atividades profissionais. Os podcasts “pequenos” costumam ganhar dinheiro com banners de publicidade on-line, como Google AdSense, que define a grande importância dada à relação entre blogs e podcasts no Brasil, fazendo com que dificilmente existam podcasts que não possuam um blog como suporte a seus episódios para garantir a inserção de publicidade, já que ainda não é tão comum a venda de espaço publicitário nos programas.
Além disso, no Brasil, podcast é praticamente sinônimo de programas de áudio, devido à pouca produção de podcasts em vídeo (não confundir com os programas distribuídos apenas no YouTube, que, por não poderem ser baixados via feed, não são videocasts). Outro ponto a se destacar é a ausência, com poucas exceções, de grandes empresas de mídia produzindo podcasts no Brasil. Muitas vezes até existe a referência a “podcast”, mas costuma ser um programa de áudio sem regularidade que não pode ser baixado por RSS e sequer via download, o que é contrário ao conceito básico de podcasting.
O fato de a maioria dos podcasts brasileiros surgir por iniciativas pessoais e voltada a nichos não valorizados pela “mídia de massa” faz com que dê suporte para o acesso à comunicação de setores que outrora eram marginalizados nesse contexto. Esse espírito também faz com que a chamada “podosfera” brasileira possua diversas iniciativas de suporte mútuo, inclusive entre programas que poderiam ser considerados como “concorrentes”. É muito comum que podcasters participem de programas de outras pessoas, conversando sobre assuntos variados e fazendo divulgação de seus próprios programas. Essa filosofia de colaboração mútua é tão difundida que mesmo podcasts recém-lançados podem contar com a participação de podcasters já “consagrados” em seus programas e vice-versa.
Importante dizer que, apesar de o Nerdcast ser inspiração para vários podcasts novos, isso não significa que a podosfera brasileira seja uma “cópia” desse programa. Pelo contrário, atualmente há podcasts dos mais diversos formatos, estilos e temas, lidando ou não com humor (em maior ou menor grau) e até com uma “preocupação” não tão grande com a edição de áudio (priorizando, entre outras coisas, o conteúdo ou a agilidade da publicação).
A podosfera brasileira já se tornou suficientemente sólida (do ponto de vista de quantidade e qualidade, embora ainda não de popularidade) a ponto de podermos encontrar programas sobre praticamente todos os temas e, mesmo que muitos se inspirem tanto do Nerdcast quanto em outros programas mais conhecidos, a maioria acaba desenvolvendo uma “cara” própria. Afinal, é lugar comum dizer que o tempo na internet “corre diferente”. Portanto, uma década de podcast é tempo mais do que suficiente para que saibamos que muita coisa já mudou desde os pioneiros e muita coisa ainda vai mudar a partir de novos programas que estão surgindo e trazendo, aos poucos (bem mais “aos poucos” do que gostaríamos), cada vez mais público para o podcast nacional.
(trechos do livro “Reflexões sobre o Podcast” – Marsupial Editora, Janeiro de 2014)
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